Por José Euflávio
O escritor Euclides da Cunha dizia que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, e esqueceu de dizer também: e teimoso. Porque ele vira a terra seca, e bate até virar poeira à espera de um bom pingo de chuva, tudo para plantar uma roça e esperar o momento maior, o da alegria: a colheita.
Porque meu tio Mané Pinto nasceu marcado pelo destino com a sina da luta e da provação. Com menos de 20 anos perdeu o pai, acometido de um mau terrível, que o povo da época negava-se pronunciar o nome e chamava de “aquela doença”. É o câncer ou CA que conhecemos hoje.
Irmão mais velho de uma família de sete filhos, meu tio passou a ser “arrimo de família”, aquele sujeito que nunca casou, não tem filhos, mas lhe é dada a função de pai, para prover a casa de alimentos para o sustento da casa. Acreditem: tem homens que nascem com essa sina.
Era a década de 1940, o mundo em plena guerra, e uma seca horrível se abateu sobre a região da Unha de Gato, onde vó Jovina Maria da Conceição, agora viúva, vivia com sua família.
Não havia trabalho e meu valente tio partiu para uma viagem, a pé, à procura de ocupação para ganhar dinheiro e sustentar minha mãe, e os irmãos: Severino, Zé, Antônio, Irene e Rita. E só terminou de caminhar em Alagoas, onde ganhou dinheiro e voltou para casa com a mesma alegria que partiu, só que agora com a chuva a lhe molhar o rosto e a terra, e uns trocados no bolso.
Casou com tia Zefa, foram morar no Limoeiro, tiveram seis filhos: Dezuite, Tico, Marluce, Graça Pinto, Antonio Sobrinho, e a Nega Márcia Pinto. A partir daí, minha vida mudou, porque o Limoeiro ficava bem próximo ao Curral Velho, onde a família do meu pai tinha um Engenho e terra a perder de vista.
Os meus primos eram como se fôssemos irmãos. Tio Mané Pinto gostava de comer carne. E no dia de sábado, na feira, passava no açougue de Antônio Queiroz e comprava de tudo. Chegava em casa à noite e pedia: “Zefa, acorde os meninos para comer carne”.
Eu já sabia dessa mania dele e sempre dava um jeito de dormir no Limoeiro só para comer carne assada na brasa em uma grelha com cuscuz ou farinha. Foram os dias mais alegres e felizes da minha vida. E na segunda-feira Tia Zefa fazia um feijão com tripa e bucho de boi.
Mas, um sábado, quando ele ia almoçar lá em casa, minha mãe o chamou e lhe pediu um favor. Ela, com ciúmes, desconfiava que meu pai estava namorando com uma moça e pediu para o irmão arranjar uma pessoa para matá-la.
Ele saiu e foi procurar a mulher. Ao encontrá-la, chamou-a a um canto e contou o pedido, recomendado: “Vá embora, porque se Geni fizer esse pedido a Zé meu irmão, você é uma mulher morta”. E combinaram de um novo encontro no sábado seguinte. Ele chegou, deu o dinheiro da passagem a moça e pediu para ela viajar.
Muitos anos depois, minha irmã Lana vai a Campina Grande e num hospital encontra uma mulher que vê sua ficha e pergunta: “Você é filha de quem em Sant’ana?”. E Lana diz o nome dos pais. Foi tratada como rainha.
Dona Mocinha, obrigado pelo tratamento com minha irmã e desculpa qualquer coisa de Dona Geni. São coisas do ciúme.
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